Giovanni Filho

Giovanni Filho é jornalista profissional e mestrando em comunicação social

Era uma vez, um longínquo povoado a muito, muito distante daqui, chamado Panacéia Molhada. Nele, vivia um reizinho mandão, que adorava elogios, gostava tanto ao ponto de inventar “verdades” para o seu povo com medo de receber críticas. Certo dia, o reizinho convocou todos do reino e anunciou que iria trocar um de seus súditos do alto escalão real para nomear uma princesinha de sorriso manso, manso como o leito de um rio.

Chegando na alta corte, ela percebeu uma série de coisas erradas que vinham acontecendo por ali e decidiu, por pureza de coração, denunciar para o chefes dos aldeões, os representantes do povo, um esquema que vinha rolando há tempos no império envolvendo a compra superfaturada de vinho.

Estupefato com o caso, um dos chefes dos aldeões botou a boca no trombone e, pedindo investigação, escancarou todas as revelações da princesinha. No entanto, pressionada pelo reizinho mandão e seus súditos leais, ela voltou atrás no que havia dito e negou a sua própria natureza vestal.

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Escutando os murmúrios do reizinho e atenta aos seus ensinamentos, a princesinha tentou criar “outra verdade” diferente da que revelara aos chefes dos aldeões, crendo mesmo que todo o povo de Panacéia Molhada iria esquecer da grave denúncia.

Só que, numa bela manhã de sol (e ninguém sabia disso) a princesinha de sorriso manso como o leito do rio havia conversado por carta com um demiurgo local e revelara a ele, de forma detalhada, quanto de vinho foi superfaturado ao longo de cerca de oito longos anos das gestões imperiais que passaram em Panacéia Molhada.

Na conversa, a princesinha demonstrou-se corajosamente casta em seus padrões morais e disse que iria “até o fim nessa história” e que estava enfrentando críticas de outras princesinhas que diziam: “vossa realeza não tem coragem de mexer nesse vespeiro”. E devolvia: “tenho, sim!”.

Nas revelações que fez ao demiurgo, a intrépida princesinha contou que cada copo de vinho comprado pelo reizinho mandão custara o triplo do que realmente valia e que aquele baita esquemão vinha onerando, durante anos, o cofre real. A princesinha parecia indignada e o demiurgo deu um voto de confiança à súdita do reizinho mandão.

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Também inocente, o demiurgo prometera à princesinha não divulgar nada antes que ela resolvesse questões administrativas dentro da sua pasta real. A princesinha garantiu revelar-lhe tudo, desde as aquisições superfaturadas de vinho aos seus fornecedores…

Mas, de repente, numa noite mal assombrada, quando o encontro entre os dois estava prestes acontecer, o reizinho mandão ordenou que cortassem a língua da corajosa princesa e mandou também calar todos os outros demiurgos existentes em Panacéia Molhada ao risco de perderem fatias reais. E fez-se o silêncio na aldeia…

Mas aquele demiurgo, só aquele, insistia em acreditar em tudo o que a princesinha havia lhe revelado. Ele prometera guardar a sete chaves a história confessada com a garantia de que a bomba fosse publicada numa entrevista cara a cara. Por gosto dos deuses, o esquema do vinho no reino de Panacéia Molhada foi posto a público através dos corajosos chefes dos aldeões.

Agora, a esperança do povo sofrido de Panacéia recai sobre alguns destes diletos homens públicos. Uns, amigos leais do reizinho mandão sequer arriscam falar sobre o assunto. Já outros tentam expressar coragem à população. Haverá investigação?, perguntam os aldeões de Panacéia. Não se sabe… A faca cortadora de línguas do reizinho exala um poder atraente.

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Enquanto isso, em Panacéia Molhada todos estão cansados da bagunça no reino, das promessas do reizinho e dos altos impostos estipulados pelo império, pois, com tanta carga tributária, ao menos deveria ser dado o direito ao povo de também meter o dedo no excedente da safra real tão cuidadosamente adquirido.

Dizem as boas línguas (ainda não foram cortadas?) que a revolução de Dionísio vem aí… E que o demiurgo dessa vez não será enrolado por princesinha alguma. Apesar de acreditar nas graves revelações que ela lhe fez.