Por Cícero Lopes, professor e mestrando em Ciências da Religião pela Unicap (Universidade Católica de Pernambuco)

Falar sobre a dor e o amor numa sociedade hedonista como a nossa parece obsoleto. Na verdade, somos portadores de uma consciência esvaziada sobre estes temas, razão pela qual se faz importante discuti-los. A própria vida implica a inevitabilidade da dor e do amor, e não há como ser humano sem isto. Para os psicólogos, May (2012), por exemplo, “Ninguém se torna completamente humano sem sentir dor”, de modo que se faz necessário “fazer um acordo com ela, vibrar com ela, e saber esperar que o tempo a dissipe” (NASCIO, 1997). Na verdade, a temática pode ser discutida por varias Ciências, tais como a Antropologia, Filosofia, Psicologia, Fisiologia, Religião, Farmacocinética etc., mas nos limitaremos aqui à perspectiva religiosa, em clima de Semana Santa para os católicos.

No Cristianismo, o sofrimento e o amor podem ser explicados a partir da cruz de Jesus. Na Semana Santa os católicos do mundo inteiro revivem a paixão e morte do seu Mestre, que culmina com a Ressurreição no Domingo de Páscoa. Neste espírito, a sexta-feira é evocada como “sexta-feira da paixão”, dia em que Jesus morreu crucificado. Para o teólogo Rúbio (2007), a cruz de Jesus só pode ser compreendida associada à sua vida, às suas causas, a sua opção em favor dos pobres e marginalizados, consumando a vontade do Pai. A cruz constitui então o resumo e a radicalização máxima de sua entrega e do seu amor pelos homens: “Ninguém tem amor maior do que aquele que dá a vida pelos seus amigos” (Jo 15, 13), de modo que, em Jesus, cruz e amor se identificam. Ele morreu “por amor e em solidariedade para com os crucificados da história” (BOFF, 2003).

“Ninguém se torna completamente humano sem sentir dor”, de modo que se faz necessário “fazer um acordo com ela, vibrar com ela, e saber esperar que o tempo a dissipe” (NASCIO, 1997).

Assim, o Cristianismo passa a ser um sinal de contradição para um mundo que martiriza os inocentes. Hoje há quase um bilhão de pessoas famintas no planeta, que não têm sequer o “pão de cada dia”, enquanto uma minoria favorecida esbanja poder e luxo. A FAO denuncia que neste momento existe um bilhão de famintos e um bilhão de obesos, incômoda estatística (1). Há então uma ordem criminosa no mundo que condena da morte ignominiosa milhões de inocentes, não apenas pela fome, mas também pelo narcotráfico, pela “banalização do mal” (ARENDT, 1999), “corrupção” (BATISTA, 2012), violência institucionalizada etc., e isto deveria nos incomodar. Mas quem é que se importa hoje com o sofrimento alheio?

Por isto a sexta-feira da paixão deveria ser também um dia de conversão: do egoísmo a fraternidade, do ódio ao perdão, da iniqüidade a justiça, da loucura ao amor. Em verdade, o amor ainda é a única força capaz de superar o mal, basta termos coragem de amar. Alguns cânticos da Liturgia católica destes dias evocam este espírito, de humanismo e doação, características embrionárias do verdadeiro cristão: “Diante do altar Senhor, entendo minha vocação, devo sacrificar, a vida por meu irmão”.

Mas não se trata de sofrer por sofrer, a cruz pela cruz não fez sentido, o que faz sentido é uma vida feita serviço, feita doação, onde se preciso, assume-se o sofrimento, vivendo-o como expressão de amor incomensurável, que “Tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13, 7). Todos nós carregamos uma cruz, ou nas costas ou no coração, que fará sempre mais sentido à medida da nossa dor de amor. É como dizia Sta Tereza D’Avila, “A medida da capacidade de carregar a cruz grande ou pequena é a dor do amor”. Você é forte suficiente para amar? Se for, então será possível passar da cruz à transfiguração, e festejar junto a Jesus a glória da ressurreição!

Por isto a sexta-feira da paixão deveria ser também um dia de conversão: do egoísmo a fraternidade, do ódio ao perdão, da iniqüidade a justiça, da loucura ao amor. Em verdade, o amor ainda é a única força capaz de superar o mal, basta termos coragem de amar.

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ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. Tradução de José Rubens Siqueira. São Paulo: Letras, 1999.

BATISTA, Antenor. Corrupção: o 5° poder: representando a ética. São Paulo: Edipro, 2012.

BOFF, Leoardo. A cruz nossa de cada dia: fonte de vida e de ressurreição. Campinas: Verus, 2003.

MAY, Rollo. Ninguém se torna completamente humano sem sentir dor. O livro da psicologia. São Paulo: Globo, 2012.

NASCIO, J.D. O livro da dor e do amor. Rio de Janeiro: Zahar, 1997.

RUBIO, Alfonso Garcia. O encontro com Jesus Cristo Vivo. São Paulo, Paulinas, 2007.

(1)               Fonte: http://www.fazendomedia.com/os-numeros-da-insensatez-economica-e-social/. Acesso em 26 de março de 2013.