Massacre

O FAROL conversou com Karl Marx, ator, dançarino e produtor cultural que irá representar o papel do cangaceiro Lampião no maior espetáculo ao ar livre do Sertão, O Massacre de Angico, que acontece na próxima semana em Serra Talhada. Nesta conversa, o ator defende a memória do cangaceiro entre os serratalhadenses e revela detalhes do espetáculo.

Para Marx, é grande a responsabilidade de representar Lampião, missão que assume com determinação e talento, diante a polêmica que sempre envolveu o personagem: afinal, Lampião foi herói ou bandido? Na visão do ator, ele é história, independente das controvérsias. E por isso merece ser lembrado.

Marx iniciou suas atividades na militância cultural em 2002, integrando o elenco do Grupo de Xaxado Cabras de Lampião, de Serra Talhada, com o qual já se apresentou em mais de 300 cidades, em todas as regiões do Brasil, inclusive fora do país.

Participou de várias atividades ligadas ao movimento de cultura popular do Sertão do Pajeú, tendo integrado diversos projetos realizados por importantes entidades da região, como a Associação dos Poetas e Prosadores de Tabira (APPTA), Associação Cultural Pedra do Reino (São José do Belmonte), Ponto de Cultura Renascer do Sertão (Triunfo), Centro Dramático Pajeú de Serra Talhada.

Entrevista – Ator  Karl Marx

massacre

Farol – Como é interpretar Lampião, um dos personagens mais polêmicos da história do Brasil?

É uma tarefa complicada porque Lampião é um personagem real, muito vivo em nosso cotidiano e que ainda hoje desperta sentimentos extremos, sejam de admiração ou de ódio. Eu encaro o desafio com muita tranquilidade, pois tenho uma história diretamente ligada a esse universo e que me deixa muito a vontade pra esse trabalho. Eu nasci e me criei no meio artístico, cercado por poetas, músicos, cantadores, atores e a história do Cangaço e de Lampião sempre muito presentes.

Veja também:   Mensagem de massacre em escola do Pajeú é descoberta

Eu era criança e assistia meus pais e meus tios em encenações de Teatro de Rua, vi o nascimento do Grupo de Xaxado Cabras de Lampião, assistia e ouvia cantorias de viola e tantas outras coisas da nossa cultura popular, que até parece que fui forjado desde meu nascimento para esse trabalho. A começar pelo nome com o qual fui batizado.

Em 2002 passei a integrar o elenco do Grupo de Xaxado Cabras de Lampião e no ano seguinte comecei a fazer Lampião no Grupo de Xaxado, substituindo o meu tio Gilvan Santos que havia falecido. Desde então que vivencio essa emoção de interpretar Lampião. Eu sinto muito orgulho e fico muito honrado, porque em nossas andanças se apresentando Brasil a fora eu vejo o tanto que Lampião mexe com a imaginação e com os sentimentos das pessoas.

O quanto essa história emociona e desperta sentimentos de esperança, de mudança, de coragem e de resistência. No espetáculo “O Massacre de Angicos” o trabalho foi mais difícil, porque a ideia do meu pai e do diretor José Pimentel era a de “humanizar” Lampião, mostrando seus sentimentos, suas angústias, passando para o público aquilo que há por trás do mito. Deu um trabalho danado. Mas acho que o resultado final ficou bom.

Farol – O espetáculo Massacre de Angico tem buscado se atualizar? Ele tem viés com os problemas do nosso cotidiano?

O espetáculo não tem um propósito político. Na verdade a ideia é bem simples: contar a história. No entanto, quando você pega duas figuras como meu pai e José Pimentel, é inevitável que num se tenha alguma fagulha de crítica ou de polêmica na transmissão do recado.

Veja também:   Espetáculo: Começam os preparativos para 'O Massacre' em Serra Talhada

Além do mais, tem uma coisa que não podemos esquecer. O Cangaço foi filho legítimo de um sistema social que ainda hoje molesta os sertanejos. A prova disso está aí, nas várias reivindicações populares, fruto do apodrecimento social do país. Nesse contexto é praticamente impossível que não haja uma identificação direta do povo com personagens como Lampião, materializando seu desejo de enfrentar o sistema social que lhe massacra a existência.

Eu tenho certeza que todas as pessoas que assistem ao espetáculo passam a repensar várias coisas de nosso dia-a-dia, porque essa é uma história que foi escrita com muito sangue e que faz a gente questionar muita coisa que acontece em nossas vidas.

Massacre.3JPG

Farol – Além de ator e dançarino, você é economista e está cursando História. A questão é a seguinte: com esta formação, você tem o pensamento do seu pai (Anildomá Souza) que Lampião é o filho mais ilustre de Serra Talhada ou encara isso de forma menos ufanista?

Até que alguém prove o contrário, Lampião é sim o filho mais ilustre de Serra Talhada. E não digo pra fazer provocação. Isso é uma constatação. E se não for o mais ilustre, com certeza ele é o mais famoso, o mais estudado, o mais pesquisado, o que atrai mais turistas pra nossa cidade, o mais biografado e principalmente, o que mais influenciou na cultura popular brasileira. E não precisa ser expert pra saber disso. A própria cidade e o comércio local adotou o slogan “Capital do Xaxado” como o que identifica Serra Talhada.

O mascote do time de futebol da cidade é um Cangaceiro. Eu duvido você ir a alguma feira de artesanato do nordeste e não encontrar Lampião e Maria Bonita. É no mínimo curioso saber, por exemplo, que Maria Bonita e Lampião são personagens obrigatórios na formação de uma quadrilha junina estilizada ou tradicional. É comum  encontrar no carnaval de Olinda muita gente fantasiada de cangaceiro.

Veja também:   Expectativa é que 50 mil pessoas assistam ao 'Massacre' em ST

E no cinema, a influência de Lampião é algo bem interessante. É curioso perceber, sem entrarmos em detalhes – que toda vez que um filme brasileiro fazia sucesso seu tema abordava o Cangaço: O Cangaceiro, de Lima Barreto, Deus e o Diabo na Terra do Sol, de Glauber Rocha, Lampião: O Rei do Cangaço, de Carlos Coimbra, O Baile Perfumado de Lírio Ferreira e Paulo Caldas, etc.

Eu acho estranho é quando alguém contesta tudo isso. Não se trata de transformar Lampião numa divindade. É apenas uma questão de reconhecimento a sua importância história e sua influência na cultura brasileira.

Farol – Vai ter alguma novidade para o espetáculo deste ano?

Tem várias novidades. Algumas cenas foram regravadas, outras foram melhoradas e fizemos vários ajustes no áudio, nas gravações e um monte de outras coisas que você vai aprimorando ano após ano. Nós vamos ter novos efeitos especiais, o projeto de iluminação também foi melhorado, com recursos novos.

Mas, a grande novidade para esse ano está no final do espetáculo. É uma surpresa. Não podemos adiantar o que é. Quem quiser conferir, vai ter que ir assistir ao espetáculo.

Farol – Para finalizar, o futuro de Serra Talhada passa pela exploração da figura de Lampião? Por quê?

Várias cidades exploram a imagem de Lampião, tiram proveito e lucram com a história do Cangaço. Por que só Serra Talhada não pode lucrar com isso? Eu entendo que a cidade pode tirar muito proveito dessa história tão marcante e desse fascínio que Lampião exerce nas pessoas. Afinal, é um personagem histórico e que nunca será esquecido.

IMG_7007b