O FAROL recebeu na redação, na última sexta-feira (23), representantes dos professores, servidores e estudantes da Uast/UFRPE (Unidade Acadêmica de Serra Talhada) que estão puxando um movimento pioneiro em Pernambuco, o qual deve crescer em todo o país: deflagraram greve por tempo indeterminado em favor de melhorias nas condições de trabalho. Os técnicos foram os primeiros a se organizar, seguidos agora pelos docentes.

Nesta segunda-feira (26), numa plenária geral, haverá a construção de propostas para a montagem de uma pauta unificada que será entregue à Reitoria da UFRPE. O movimento obtém grande adesão estudantil. A classe também deve ratificar o apoio à greve dos professores e técnicos anunciando uma ampla parada em favor de demandas históricas que estão atrasando avanços educacionais importantes em âmbito local.

Aqui, o FAROL promove um rico bate-papo com o professor Cauê Guion, vice-presidente da Associação de Docentes da UFRPE; Marcus Vinícius, representante dos técnico-administrativos; e Moacir Fernandes, da classe estudantil. Eles explicam, em separado, os principais motivos, em nível local e nacional, que levaram cada categoria a deflagrar as paralisações em Serra Talhada.

A entrevista também discutiu o lado político do movimento frente à proximidade das eleições. Na opinião dos representantes das três categorias, o governo federal ainda não investe o suficiente na educação. Para eles, nem o PT, nem PSDB ou mesmo a terceira via, o PSB de Eduardo Campos, se mostram dispostos a realmente mudar e transformar esse quadro para melhor. Vale a pena conferir!

Colaborou Cleyton Ferreira (Farol de Notícias)

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FAROL –  Qual o objetivo da greve? Como esse movimento dos professores, estudantes e dos servidores técnicos-administrativos da UFRPE/UAST pode provocar de fato mudanças e não prejuízos?

Marcus Vinícus – A greve dos técnicos-administrativos ainda está ocorrendo desde o dia 17 de março até o momento, ainda está de pé, e o que acontece é o seguinte, são dois cenários que se desenham, um é o nacional dos técnicos-administrativos em greve. Dentre as pautas de reivindicação, nós temos a resolução dos grupos de trabalho que se arrasta desde 2012, que já foi um acordo desta greve, e que até hoje não teve resolução, não teve cumprimento desse ponto acordado, são cinco GTs, reposicionamento de aposentados, dimensionamento da força de trabalho, democratização das instituições federais de ensino, entre outras.

Outro ponto que a gente está combatendo na nossa greve é a criação da empresa brasileira de serviços hospitalares, que diz respeito a toda população. Essa empresa é uma parceria público-privada criada pelo governo federal para administrar os hospitais universitários. No nosso caso aqui em Pernambuco é hospital da Universidade Federal de Pernambuco, o Hospital das Clínicas. Então, isso cria uma brecha para que um entidade privada comece a administrar um bem público, nós combatemos isso, pois entendemos que isso é um meio de mercantilização do serviço público, de privatizá-lo.

Combatemos também, no nosso ponto de pauta, contra a reforma previdenciária de 2003 que afeta a população brasileira de forma geral, essa reforma foi criada em 2003 através do “Mensalão”, pela compra de votos, essa é uma coisa que combatemos também através dessa greve. E em greve desde março nós não poderíamos deixar de apoiar esse movimento que está se criando aqui dentro da UAST, que é pela melhoria da qualidade da nossa instituição, na melhoria da infraestrutura. Então, os técnicos que já estavam em greve passam a apoiar esse movimento que se criou dentro da UAST, que é um movimento em conjunto com técnicos, professores e alunos.

REPRESENTANDO A CATEGORIA DE SERVIDORES, MARCUS VINÍCIUS EXPLICA QUE A CLASSE COBRA DO GOVERNO CUMPRIMENTO DE ACORDOS TRAVADOS EM 2012

Em Serra Talhada temos um total aproximado de 60 servidores técnicos-administrativos, no Brasil todo eu não tenho esse número para te informar. Na situação geral da nossa greve, nós temos 38 entidades e institutos federais de educação com greve dos servidores técnicos-administrativos de um rol de cerca de 47 universidades em todo país.

FAROL – Desde o dia em que a classe de servidores entrou em greve houve alguma sinalização de acordo ou algum consenso junto ao governo Dilma Rousseff?

Marcus Vinícius – No dia 19 de maio, o governo nos convidou para uma reunião no Ministério de Planejamento para debater a nossa pauta de greve. Chegando lá, a resposta do governo para as nossas reivindicações é que não poderia avançar em nenhum dos pontos de pauta, por conta disso, os técnicos-administrativos continuam em greve em todo o país.

FAROL – A discussão sobre mais investimentos na educação superior parece avançar de forma muito lenta ou mesmo não avança. Esse debate começa a se agravar neste período eleitoral, em termos de universidade pública no Brasil. Essa também é uma visão dos professores da UAST?

Professor Cauê  Guion – Vou partir do cenário nacional para a gente chegar no ponto local. A gente fez uma greve uma greve em 2012, a maior greve da história da educação pública, 4 meses de paralisação das atividades, quase que a totalidade das 60 quase 70 universidades no Brasil. Era uma greve que discutia a estruturação da carreira do professo e das condições de trabalho, a precarização como um todo. Foi uma greve extremamente forte, mas também um governo extremamente intransigente que se recusou a negociar e que implementou uma carreira que desestrutura mais a nossa profissão à revelia da negociação com a categoria. O sindicato dos professores, no âmbito de sindicato nacional, ele não assinou o acordo com o governo, mas o governo assinou um acordo com um grupo dissidente, governista que represente 5 ou 6 universidades no máximo para legitimar esse acordo.

Em setembro de 2013, retomamos, pois entendemos que o enfrentamento naquele ano já tinha vencido, passamos 2013 sem praticamente nenhuma proposta de negociação por parte do governo. Em 2014 retomamos esse debate, principalmente pelo fato de que a carreira que o governo aprovou, ela  se mostrou altamente problemática com diversas novas emendas, medidas provisórias, para corrigir erros conceituais desse processo. Esse ano nós entramos com uma pauta um pouco mais abrangente, além da estruturação da carreira docente e condição de trabalho, a agente também está defendendo a valorização salarial, não tem como a gente falar que as nossas greves não são mais por salário, porque são, o salário do professor, por tanto que exige do professor em termos de estudo, de trabalho, a própria dedicação exclusiva que não permite que o professor tenha nenhuma outra atividade fora daquela, é uma salário baixo quando se compara com a remuneração dos servidores públicos de uma maneira geral, sempre dou esse exemplo, mas o cara se ele fizer um concurso de nível médio para ser motorista do judiciário, ele ganha mais que o professor, não desmereço o cargo, acho que o motorista tem que ganhar aquele salário, mas o professor precisa também ter o salário mais valorizado.

PROFESSOR DA UAST, CAUÊ GUION, EXPLICA QUE A CATEGORIA ESTÁ DESVALORIZADA; DOCENTES QUEREM MELHORIAS SALARIAIS E DE CONDIÇÃO DE TRABALHO
PROFESSOR DA UAST, CAUÊ GUION, AFIRMA QUE A CATEGORIA ESTÁ DESVALORIZADA EM TODO O PAÍS; DOCENTES QUEREM MELHORIAS SALARIAIS E DE CONDIÇÃO DE TRABALHO

De 40 categorias do poder executivo, professor tem aí no máximo 7 ou 8 que recebem menos que a gente, todas as outras são melhores remuneradas. Então, a valorização entrou na campanha desse ano. E um quarto ponto, que é a defesa da autonomia universitária, o governo vem de toda maneira tentando quebrar. A universidade tem sua autonomia de gestão, a progressão da carreira e o governo quer interferir nisso de uma maneira muito intensa ,eles estão com um processo de consolidar uma lei orgânica de universidade que entre outros problemas ela vai permitir, de uma forma muito mais aberta, por exemplo, a institucionalização das parcerias público-privadas como acontece com a questão dos hospitais universitários. Mas é um processo muito mais amplo de privatização que acontece, aí já entra numa segunda linha nacional, esse quatro pontos que eu coloquei é a nossa pauta docente aliado a isso os professores tem a pauta nacional conjunta com as demais categorias, a gente entendeu que não adianta discutir alguns pontos que são comuns a todo trabalhador de maneira isolada.

Existe desde fevereiro um processo de mobilização docente da deflagração de uma greve nacional dos docentes como a dos servidores nos moldes de 2012, mas isso ainda não foi consolidado, particularmente, eu acho que pelo calendário que a gente teve depois da greve de 2012, até 2015 está com o calendário complicado, cinco, dez dias de férias, isso dificultou um pouco a mobilização. Além do que o governo nas primeiras reuniões desse ano deu uma sinalização positiva através do MEC, mas no dia 21 deste mês, dia em que teve a paralisação nacional, teríamos uma reunião com o MEC, onde eles iriam trazer o posicionamento do governo, porque não adianta eu falar que concordo com o que está aqui e depois chegar lá no planejamento e falar que não tem dinheiro para fazer os investimentos necessários.

Essa reunião foi cancelada em cima da hora praticamente sem nenhuma justificativa mostrando mais uma vez a indisposição do governo em negociar. Então, hoje, sábado e domingo as universidades estão se reunindo em Brasília para de discutir como proceder e como vai se encaminhar esse processo de mobilização nacional. Paralelo a isso, a Unidade Acadêmica de Serra Talhada nessas discussões nacionais, ela entendeu a que a gente tem diversos problemas de condição de trabalho que podem ser discutidos ou podem ser avançados localmente. Então, no dia 20 de maio numa assembleia dos professores com 118 professores presentes, a UAST tem quase 200 professores, foi deflagrado a greve por tempo indeterminado e uma nova assembleia no dia 02 de junho vai discutir o avanço desse processo.

A ideia é que hoje e essa próxima semana avancemos no debate interno, em termos de consolidar um documento que reflita a realidade da nossa unidade, e a partir daí sentar para dialogar com as nossas direções e com a nosso reitoria essa pauta local. Então, esse é um processo de construção da nossa universidade, se tudo caminhar bem dia 02 nós teremos uma assembleia que vai trabalhar para a retomada das atividades normais, obviamente, considerando o cenário nacional, se de Brasília vier uma mudança desse cenário e tiver uma mobilização nacional das universidades essa greve pode se prolongada, mas aí com aquela pauta mais ampla. A pauta que a gente está discutindo é a de condição de trabalho comum aos estudantes e também aos servidores técnicos e esse foi o objetivo da deflagração da greve de terça-feira.

FAROL – Existe um consenso entre os professores da UAST ou a classe ainda está dividida?

Professor Cauê Guion – A UAST tem um calendário acadêmico que é unificado com as unidades de Recife e de Garanhuns. Então, oficialmente, como a greve foi só aqui, o calendário continua. Então, alguns professores estão no seu direito de continuar sua atividade docente. Mas existe uma adesão muito grande posso dizer que 70% ou mais dos professores aderiam à paralisação.

FAROL – A grande maioria dos estudantes acha que vai sair prejudicada com a greve?

REPRESENTANTE DOS ESTUDANTES DA UAST, MOACIR FERNANDES GARANTE QUE 80% DA CLASSE ESTUDANTIL APOIA A PARALISAÇÃO; DIVERSAS OBRAS NA UAST ESTÃO TRAVADAS PREJUDICANDO CERCA DE 2 MIL ESTUDANTES
REPRESENTANTE DOS ESTUDANTES DA UAST, MOACIR FERNANDES GARANTE QUE 80% DA CLASSE APOIA A PARALISAÇÃO; DIVERSAS OBRAS NA UAST ESTÃO TRAVADAS HÁ ANOS PREJUDICANDO CERCA DE 2 MIL ESTUDANTES

Moacir Fernandes – Nós já estamos prejudicados, o estudante hoje vive numa situação precária dentro da nossa unidade acadêmica onde existe a falta de salas, falta de laboratórios, falta de reagentes, entre outros problemas, como a falto do R. U. (Restaurante Universitário) e a falta da nossa biblioteca. Então, hoje a gente já está sendo prejudicado.

Essa mobilização dos técnicos e dos professores é muito bem-vinda e nós não poderíamos, enquanto estudantes, ficarmos de fora. Nós estamos nos mobilizando desde a assembleia dos professores, ontem nós fizemos plenária durante o dia na UAST, para convocar também a assembleia geral dos estudantes, na segunda-feira, com o intuito de deflagrarmos a greve dos estudantes para que a gente possa está engrossando ao caldo dessa luta.

Até o momento está tudo muito vago, muito aberto as respostas em relação aos prazos ao R. U., a biblioteca, a espaços de convivência, nós queremos o aumento das bolsas de permanência, a casa do estudante que está quase pronta, mas quando ela vai entrar em funcionamento,  nós queremos respostas mais pontuais. Precisamos mais de datas e de prazos.  Bolsas estão sendo cortadas sem haver antes um diálogo com o estudante, devido a algumas normativas da universidade, então, nós estudantes estamos nos colocando a frente disso para rever essas pautas.

FAROL – Existe um consenso também entre os estudantes sobre esse movimento na UAST?

Moacir Fernandes – Nós temos um levante de 80% dos estudantes estarem apoiando essa mobilização dos docentes e dos servidores.

FAROL – A intenção é aproveitar esse período eleitoral para cobrar do PT com relação à investimentos em políticas universitárias…

Professor Cauê Guion – O cenário nacional, obviamente a gente vai falar do governo do PT, porque é ele que está ditando a regra, mas deixar claro que hoje no Brasil não existe um projeto viável eleitoralmente diferente. Dizer que a  candidatura de Eduardo Campos e Marina, dois ex-ministros do governo Lula, é uma proposta diferente, não é, dizer que Aécio Neves é uma proposta diferente, também não é. O PT simplesmente repetiu com maior competência o projeto do PSDB, o projeto de educação que o PT está fazendo é o projeto do PSDB, a reforma da previdência que Lula fez em 2003 e concluiu em 2013 FHC (Fernando Henrique Cardoso) tentou fazer em diversos momentos e não conseguiu. A política do governo do PT é a política que teve no governo Collor, Itamar e FHC.

Nacionalmente existe insatisfação com o PT, porque ele é o gestor. Mas que a gente entende que entre as candidaturas viáveis nenhuma delas representa uma mudança nessa política. O PT não tem uma prioridade de gastos sociais, estes gastos que eles tanto vangloriam são gastos com as famosas bolsas, que quando o bicho aperta ele pegam e aumentam para tentar minimizar o  impacto, porque hoje a base do PT, é uma base de baixa renda, a classe média, de uma maneira geral, foi a mais penalizada, porque os ricos não vão está mais com o PT, mas continuam felizes da vida porque são salvos, os bancos, as indústrias, tudo continua mil maravilhas.

Agora, pega o orçamento do governo federal dos últimos anos, praticamente a metade é gasto com a amortização de juros da dívida externa. A educação não recebe mais do que 3%, quando você pega aquela pizza da auditoria cidadã de dívida, olha a cultura, 0,0% do orçamento, saúde 3%, segurança 2%, ou seja, o governo não gasta 10% do seu orçamento com segurança, cultura, transporte.

Greve Uast (1)

Marcus Vinícius – A questão não é ser a favor ou contra determinado partido PT, PSDB, PSB, mas é contra uma forma de gestão que vem se perpetuando no governo desde o PSDB, que perdura no governo do PT, que é uma política neo-liberal de estado mínimo, ou seja, entregar as obrigações do estado, sejam elas de educação, de moradia, de lazer, para a ótica mercantilista de estado mínimo, você desonerar o estado, as obrigações estatais e jogar para uma ótica de mercado para que o mercado de iniciativa privada comecem a gerir os bem públicos. Somos contra esse tipo de gestão do governo.

Professor Cauê Guion –  O curioso é que na nossa greve de 2012 o governo disse que não tinha dinheiro para fazer a valorização do nosso trabalho, ao mesmo tempo que liberou milhões para salvar bancos, inclusive o de Silvio Santos, que estavam em falência. Então, eu não tenho dinheiro para valorizar o servidor, tenho dinheiro para emprestar, para vender o aeroporto, dinheiro para emprestar para fazer estádio, mas não tenho para investir em educação. Nós temos o PNE (Plano Nacional de Educação) que regulamenta os próximos 10 anos de educação, o governo resolveu protelar praticamente 2 anos desse processo simplesmente para garantir que esse dinheiro não vai ser aplicado.

Porque a defesa é que a partir de agora a gente começa a investir 10% do PIB em educação e o governo está fazendo de tudo para que isso não aconteça, conseguiu aprovar um documento onde esses 10% vão ser pulverizados até 2023 e aí incluiu dentro desses 10% todo o investimento em educação privada. Não existe uma disposição do governo, isso é um projeto mais amplo de se analisar politicamente.